top of page

A Pessoa no Espelho

  • Foto do escritor: Cláudia Goulart Alves de Mello
    Cláudia Goulart Alves de Mello
  • 14 de jan.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 30 de jan.


Hoje, minha cunhada me enviou um texto de Clarisse Niskier sobre a “mulher-gorgonzola”, que achei ótimo!

 

Entre muitas coisas, ela fala desse pânico geral sobre “estarmos envelhecendo, como se estivéssemos apodrecendo” (risos) e compara uma mulher de 70 anos ao paladar sofisticado do gorgonzola, que sempre vai bem, com um bom vinho!

 

É curioso (e verdadeiro), o gorgonzola só fica bom com um certo apodrecimento por fungos e é (como ela disse) “podre de chique”! Para ficar bom, precisa de uma dose de deterioração. O convite é para vivermos até o ponto G desse apodrecimento, “nos tornando (verdadeiras) iguarias”.

 

“Aos 50, fui uma mulher para paladares variados; aos 70, sou para paladares sofisticados. Não sou mais queijo frescal, não sou mais ricota nem queijo amarelo para qualquer sanduíche sem compromisso.”

 

Clarisse tem razão (e minha cunhada também): exigimos bons vinhos e conversas consistentes, mas numa profundidade essencialmente confortável, onde possamos fluir.

 

Há poucos dias, a atriz norte americana Pamela Anderson causou um verdadeiro auê, aparecendo na cerimônia de premiação do Globo de Ouro sem maquiagem. Ela estava lá (poderosa), e perdeu para a nossa Fernanda Torres de cara lavada! A repercussão foi tamanha, que até o Fantástico (que, às vezes, é tão confuso quanto o mercado) tentou entender o porquê daquilo tudo (kkk).

 

Pamela se tornou ícone de beleza desde SOS Malibu, com seu espetacular maiô vermelho e longos cabelos louros, heróica, sempre se jogando ao mar! Grande parte do seu sucesso veio dessa “estética da perfeição”, mas tudo cansa, tudo passa.

 

Por que não usar maquiagem incomoda tanta gente? Acho que são as mesmas razões por trás do botox, dos preenchimentos, dos filtros, dos dentes tão brancos, das sobrancelhas desenhadas ou das unhas alongadas.

 

Desde a infância, aprendemos a importância de pertencer, e o pertencimento depende das semelhanças. Tentamos falar e nos comportar como nossos pais, amigos, professores, amores, ídolos (e nem nos damos conta do quão semelhantes a eles nos tornarmos). Daí em diante, tudo é apenas questão de mais um passo, mais um detalhe, mais um ajuste, para deixarmos nossa essência de lado e nos falsificarmos.

 

Acordar de manhã (e logo depois de escovar os dentes) já passar um “corretivo” significa que “estávamos erradas”. Somos um equívoco!

 

Esses processos não são busca pela perfeição (que tem lá o seu mérito – evoluir, crescer, aprimorar-se), tanto é que vemos mulheres que se transformam até a deformação (todos os dias), sem enxergar os resultados, apenas focadas em parecer, pertencer e se tornarem alguém que só existe em sua própria interpretação distorcida de mundo.

 

Acabei de completar 59 anos. Nos últimos 5 anos, até que eu vinha envelhecendo bem, mas a dor emocional é capaz de apodrecer os queijos numa velocidade enorme. Envelheci muitos anos, em poucos meses, me sinto bem além dos 70 (e este é o menor dos meus problemas). Mas o fato é que também parei de ter certas rotinas. Não faço sobrancelhas (há mais de dois anos, são verdadeiras taturanas) nem unhas nem procedimentos estéticos. Está tudo no original de fábrica!

 

Na verdade, nunca fiz cirurgias plásticas e meus cuidados dermatológicos já eram bem “pandas”. Não sou xiita nem tenho preconceitos, mas esse duck face (que boa parte das minhas conhecidas foi passando a adotar) não me agradava muito.

 

No comecinho de 2020, resolvi experimentar algo novo. Achei o preenchimento violento, então optei por um leve botox e aquilo que chamam de bioestimulação (que é como dar condições para ver ser tudo se regenera um pouquinho).

 

Pois bem, fiz o troço (foi caro e doeu pra burro!). Em seguida, começou a pandemia: passei quase dois anos de testa lisa e máscara no rosto! (só rindo...). Que procedimento cheio de mistérios... ninguém viu, ninguém soube! (kkk).

 

Foi minha única tentativa. Um dia, veio a vida e me mostrou o que era importante e o que não era, e eu aprendi que dava atenção demais a ninharias. Hoje, deixo tudo despencar (como tem que ser), mas ainda me impressiono com amigas que enfrentam uma verdadeira agonia interna, nesses processos do envelhecer.

 

Suas dores surgem (de repente) nos rostos plastificados, dentes fosforescentes, um brilho artificial na pele... Não sei descrever, só sei que não são elas, que eram tão bonitas e naturais. Nem todas erram, algumas até obtém bons resultados, mas ficam meio “escravas” dessa manutenção eterna.

 

Outra das minhas “guerras-santas”, no mundo da estética, foi a dos cabelos brancos. Nossa, que barbaridade! Chegando ao trabalho, eu ouvia comentários, conselhos e reclamações por todo o meu trajeto – garagistas, recepcionistas, transeuntes e secretárias – todos os dias.

 

A coisa era mais grave, porque eram brancos e curtos, outra questão polêmica para mulheres brasileiras. Eram cabelos muito bem cuidados e bem cortados (com uma das melhores profissionais da cidade), mas nada era suficiente para conformar as pessoas.


Meus cabelos começaram a branquear aos 30 anos, além de ficarem ralos. Era um trabalho descomunal fazer tintura ou mantê-los mais compridos. Eu estava incomodada, era necessário mudar.


Hoje, vou ao barbeiro do meu marido (a cada 20 dias) e dou uma aparadinha, só para manter curtinho. É ótimo! Vida simples, com mais foco nas coisas que importam.

 

Mas, por que tanto incômodo?

 

Acho que faz sentido. Nosso esforço para pertencer é tamanho, nessa busca incessante por conquistar semelhanças “bem sucedidas”, que alguém diferente nos ameaça (é como um espelho da verdade, que pode quebrar o encanto!). As pílulas vermelhas estão sempre à espreita... tentando fazer cair a Matrix.

 

A falta de maquiagem da atriz famosa, rugas expostas, rostos sem preenchimento ou botox, cabelos brancos, dentes normais, posicionamento político... Alguém fora do padrão (feliz e em paz), tudo é ameaçador, nesse mundo construído sem alicerces internos. Posso imaginar.

 

Lembro de uma conhecida me contando como uma amiga sua, depois de um tanto de botox e ácido hialurônico, parecia estar “chapada” as 24 horas do dia. No rosto, uma entidade assumira a forma, como uma máscara, sem emoções intensas: sorrisos insinuados, tristezas dissimuladas, dores anestesiadas. Sem vida.

 

De qualquer modo, essa dinâmica do invólucro (que todos conhecemos) permeia nossas vidas desde sempre. Nós nos acolchoamos para não sentir as dores da vida, e fazemos isso com tudo: gordurinhas, roupas, acessórios, maquiagem, filtros, histórias engraçadas, cabelos volumosos... Sempre cercadas e envoltas numa montanha de coisas que nos protegem, que nos confortam.

 

Muito gorda, muito magra, cabelos volumosos ou ralos... Muito brancos, muito curtos. Nada é suficiente.

 

Pena que acolchoar não funcione. Pena que sejam necessárias mais e mais camadas, mais pinceladas, infinitos ajustes e tanto corretivo.


Pode ser que a transformação necessária tenha que ser em nosso relacionamento com a realidade, em nosso compromisso com a verdade, porque (sejamos sinceras) mesmo a foto sem filtro e o rosto sem maquiagem estão (de alguma forma) protegidos, não é? Até onde a nossa curiosidade pode nos guiar e nos fazer enxergar? Eu espero que rumo à pessoa real que há no espelho, e para longe de toda essa crueldade que nos impomos.

 

Talvez, nem tanto à terra nem tanto ao mar… Sempre é possível algum equilíbrio (mesmo em meio ao caos). Podemos fazer o exercício de nos perguntar (a cada dia, a cada passo), se isso (ou aquilo) é mesmo necessário, se já podemos abrir mão dessa ou daquela prática... Podemos testar, experimentar e (sem violência) modificar.


Somos capazes. E, na mudança (a maioria delas inimaginável), podemos encontrar liberdade e leveza. Mudar pode abrir portas e janelas em nossas vidas, por onde ventos vivos e mágicos passarão.


Valeu, cunhada!






Commenti

Valutazione 0 stelle su 5.
Non ci sono ancora valutazioni

Aggiungi una valutazione
bottom of page