Um ano, um dia, um minuto... segundos
- Cláudia Goulart Alves de Mello
- 3 de mai. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 10 de dez. de 2024
Pensamentos para Natália
Tatá, você partiu há um ano… e eu me dei conta de que ainda estou vivendo a primeira etapa do luto: não consigo acreditar!
De repente me lembro que você morreu, como se fosse novidade, e me sinto cair num abismo – o sangue gela, o coração dispara, faltam as pernas, a garganta trava. O que não parecia verdade é real, brutalmente real, é concreto.
Tem sido um processo para o qual não se tem referência. Toda a empatia que já senti por pais que perderam filhos é nada, perto desse deserto sem fim, sem fronteiras, aonde estou e de onde não vejo coisa alguma.
Lembro de você ou VEJO VOCÊ adoecendo, sofrendo, morrendo, morta, cremada – tudo ao mesmo tempo, o tempo todo, como se estivesse acontecendo agora, neste instante, num looping gigante e eterno. Vejo você com todas as idades, passando displicente por mim, quando menos espero, como num filme daqueles antigos, que já assistimos milhares de vezes.
O tempo não é linear, e certamente é relativo. Não perdi você há um ano atrás, estou perdendo agora, por todo o tempo infinito que cabe no momento presente.
Tenho lido sobre luto e saúde mental, fazendo o que posso para nos ajudar: meditar, criar hábitos saudáveis, trabalhar, manter o foco no "aqui" e no "agora". Às vezes, dá certo. Todos em volta querem que eu me distraia um pouco do sofrimento, mas a verdade é que a sua ausência é o ponto central da minha vida.
Resolvi raspar a cabeça, é um marco do novo ano que começa hoje, e do meu objetivo de prosseguir amando você e tendo você presente em minha vida, para sempre, incondicionalmente. Não tenho mais medo da dor, eu aceito a minha dor, prefiro senti-la do que me anestesiar. Existe até uma certa paz nisso.
Nas religiões de matriz africana, a raspagem é um momento de purificação e renascimento. Além do valor simbólico, faz com que as obrigações espirituais sejam realizadas, facilitando a ligação entre homem e Orixá. É uma prova de amor e devoção, é o desprendimento da vaidade, em nome da fé.
Na Bíblia, são inúmeras as narrativas que envolvem a raspagem dos cabelos – “Raspai, pois, a vossa cabeça, em sinal de luto e lamento por causa dos vossos filhos...; tornai-vos calvos como a águia.”
No Hinduísmo, fazem oferendas de cabelo em templos como um gesto de devoção e raspam a cabeça como manifestação do luto.
Andei pesquisando, e o costume vem dos tempos de Buda. Assim, ele cancelou o sistema de castas dentro da Ordem. Também significa o fim da vaidade, nenhum cabelo para se preocupar! O Zen Budismo convida diretamente a aceitar este fato, já outras escolas budistas levam muitos anos conduzindo o aluno, até que alguns estejam prontos. Chamam (neste caso) o estágio final de “a grande perfeição” – o Dzogchen, na escola Nyngma do budismo tibetano, é um exemplo.
“Quando um Monge raspa a cabeça, há um significado: ele se torna mais feio, torna-se estranho e chama a atenção das pessoas, mas isso faz dele um Monge e só pode sentir como isso é aquele que o faz e repete esse ato, muitas vezes, de forma que esteja sempre raspando os fios da ignorância." Há uma oração para quando raspamos a cabeça e ela diz que os fios da ignorância estão sempre brotando (as paixões e suas tolices), tudo está sempre querendo surgir, e – ao raspar – você não se conforma com o que tenta surgir dentro de si. Você raspa, porque não permite que a ignorância surja! E foi isso que você fez por mim (a vida inteira), não permitir que eu me escondesse na minha ignorância.
No meu caso, apesar da prática budista, entreguei meus cabelos à Nossa Senhora, pedindo que Ela proteja você, para sempre! Mantendo-a envolta em Luz, Graça e Amor.
Filha, a gente se encontra qualquer hora dessas, quando você menos esperar.
Amor,
Mamãe























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